23 de nov. de 2012
Divórcio, casamento, amor
Naquela noite, nós não conversamos mais. Pude ouvi-la chorando. Eu sabia que ela queria um motivo para o fim do nosso casamento. Mas eu não tinha uma resposta satisfatória para esta pergunta. O meu coração não pertencia mais a ela e sim a Jane. Eu simplesmente não a amava mais, sentia pena dela.
Me sentindo muito culpado, rascunhei um acordo de divórcio, deixando para ela a casa, nosso carro e 30% das ações da minha empresa. Ela tomou o papel da minha mão e o rasgou violentamente. A mulher com quem vivi pelos últimos 10 anos se tornou uma estranha para mim. Eu fiquei com dó deste desperdício de tempo e energia mas eu não voltaria atrás do que disse, pois amava a Jane profundamente.
Finalmente ela começou a chorar alto na minha frente, o que já era esperado. Eu me senti libertado enquanto ela chorava. A minha obsessão por divórcio nas últimas semanas finalmente se materializava e o fim estava mais perto agora.
No dia seguinte, eu cheguei em casa tarde e a encontrei sentada na mesa escrevendo. Eu não jantei, fui direto para a cama e dormi imediatamente, pois estava cansado depois de ter passado o dia com a Jane. Quando acordei no meio da noite, ela ainda estava sentada à mesa, escrevendo. Eu a ignorei e voltei a dormir.
Na manhã seguinte, ela me apresentou suas condições: ela não queria nada meu, mas pedia um mês de prazo para conceder o divórcio. Ela pediu que durante os próximos 30 dias a gente tentasse viver juntos de forma mais natural possível. As suas razões eram simples: o nosso filho faria seus exames no próximo mês e precisava de um ambiente propício para preparar-se bem, sem os problemas de ter que lidar com o rompimento de seus pais. Isso me pareceu razoável, mas ela acrescentou algo mais. Ela me lembrou do momento em que eu a carreguei para dentro da nossa casa no dia em que nos casamos e me pediu que durante os próximos 30 dias eu a carregasse para fora da casa todas as manhãs.
Eu então percebi que ela estava completamente louca, mas aceitei sua proposta para não tornar meus próximos dias ainda mais intoleráveis. Eu contei para a Jane sobre o pedido da minha esposa e ela riu muito e achou a ideia totalmente absurda. “Ela pensa que impondo condições assim vai mudar alguma coisa; melhor ela encarar a situação e aceitar o divórcio”, disse Jane em tom de gozação.
Minha esposa e eu não tínhamos nenhum contato físico havia muito tempo, então quando eu a carreguei para fora da casa no primeiro dia, foi totalmente estranho. Nosso filho nos aplaudiu dizendo “O papai está carregando a mamãe no colo!” Suas palavras me causaram constrangimento. Do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa, eu devo ter caminhado uns 10 metros carregando minha esposa no colo. Ela fechou os olhos e disse baixinho “Não conte para o nosso filho sobre o divórcio". Eu balancei a cabeça mesmo discordando e então a coloquei no chão assim que atravessamos a porta de entrada da casa. Ela foi pegar o ônibus para o trabalho e eu dirigi para o escritório.
No segundo dia, foi mais fácil para nós dois. Ela se apoiou no meu peito, eu senti o cheiro do perfume que ela usava. Eu então percebi que há muito tempo não prestava atenção a essa mulher. Ela certamente tinha envelhecido nestes últimos 10 anos, havia rugas no seu rosto, seu cabelo estava ficando fino e grisalho. O nosso casamento teve muito impacto nela. Por uns segundos, cheguei a pensar no que havia feito para ela estar neste estado.
No quarto dia, quando eu a levantei, senti uma certa intimidade maior como corpo dela. Esta mulher havia dedicado 10 anos da vida dela a mim. No quinto dia, a mesma coisa. Eu não disse nada a Jane, mas ficava a cada dia mais fácil carregá-la do nosso quarto à porta da casa. Talvez meus músculos estejam mais firmes com o exercício, pensei.
Certa manhã, ela estava tentando escolher um vestido. Ela experimentou uma série deles mas não conseguia achar um que servisse. Com um suspiro, ela disse “Todos os meus vestidos estão grandes para mim.” Eu então percebi que ela realmente havia emagrecido bastante, daí a facilidade em carregá-la nos últimos dias. A realidade caiu sobre mim com uma ponta de remorso... ela carrega tanta dor e tristeza em seu coração... Instintivamente, eu estiquei o braço e toquei seus cabelos.
Nosso filho entrou no quarto neste momento e disse “Pai, está na hora de você carregar a mamãe!” Para ele, ver seu pai carregando sua mão todas as manhãs tornou-se parte da rotina da casa. Minha esposa abraçou nosso filho e o segurou em seus braços por alguns longos segundos. Eu tive que sair de perto, temendo mudar de ideia agora que estava tão perto do meu objetivo. Em seguida, eu a carreguei em meus braços, do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa. Sua mão repousava em meu pescoço. Eu a segurei firme contra o meu corpo. Lembrei-me do dia do nosso casamento. Mas o seu corpo tão magro me deixou triste.
No último dia, quando eu a segurei em meus braços, por algum motivo não conseguia mover minhas pernas. Nosso filho já tinha ido para a escola e eu me vi pronunciando estas palavras: “Eu não percebi o quanto perdemos a nossa intimidade com o tempo.” Eu não consegui dirigir para o trabalho.
Fui até o meu novo futuro endereço, saí do carro apressadamente, com medo de mudar de ideia... Subi as escadas e bati na porta do quarto. A Jane abriu a porta e eu disse a ela “Desculpe Jane. Eu não quero mais me divorciar.” Ela olhou para mim sem acreditar e tocou na minha testa “Você está com febre?” Eu tirei sua mão da minha testa e repeti “Desculpe, Jane. Eu não vou me divorciar. Meu casamento ficou chato porque nós não soubemos valorizar os pequenos detalhes da nossa vida e não por falta de amor. Agora eu percebi que desde o dia em que carreguei minha esposa no dia do nosso casamento para nossa casa, eu devo segurá-la até que a morte nos separe.” A Jane então percebeu que era sério. Me deu um tapa no rosto, bateu a porta na minha cara e pude ouvi-la chorando compulsivamente.
Eu voltei para o carro e fui trabalhar. Na loja de flores, no caminho de volta para casa, eu comprei um buquê de rosas para minha esposa. A atendente me perguntou o que eu gostaria de escrever no cartão. Eu sorri e escrevi: “Eu te carregarei em meus braços todas as manhãs até que a morte nos separe.”
Naquela noite, quando cheguei em casa, com um buquê de flores na mão e um grande sorriso no rosto, fui direto para o nosso quarto onde encontrei minha esposa deitada na cama, morta. Minha esposa estava com câncer e vinha se tratando a vários meses, mas eu estava muito ocupado com a Jane para perceber que havia algo errado com ela.
Ela sabia que morreria em breve e quis poupar nosso filho dos efeitos de um divórcio - e prolongou a nossa vida juntos proporcionando ao nosso filho a imagem de nós dois juntos toda manhã. Pelo menos aos olhos do meu filho, eu sou um marido carinhoso.
Os pequenos detalhes de nossa vida são o que realmente contam num relacionamento. Não é a mansão, o carro, as propriedades, o dinheiro no banco. Estes bens criam um ambiente propício a felicidade mas não proporcionam mais do que conforto. Portanto, encontre tempo para ser amigo de sua esposa, faça pequenas coisas um para o outro para mantê-los próximos e íntimos.
Tenham um casamento real e feliz!
Se você não dividir isso com alguém, nada vai te acontecer. Mas se escolher compartilhar para alguém, talvez salve um casamento. Muitos fracassados na vida são pessoas que não perceberam que estavam tão perto do sucesso e preferiram desistir...
Rubens Lima
12 de nov. de 2012
Entre amigos
Martha Medeiros, 12 de abril de 1999.
Para que serve um amigo? Para rachar a gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar carona pra festa, passar cola, caminhar no shopping, segurar a barra. Todas as alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo do lado esquerdo do peito.
Milan Kundera, escritor tcheco, escreveu em seu último livro, "A Identidade", que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu. Chama os amigos de testemunhas do passado e diz que eles são nosso espelho, que através deles podemos nos olhar. Vai além: diz que toda amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos.
Verdade verdadeira. Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo construído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão. Veremos.
Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos.
Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta.
Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país.
Um amigo não dá carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer o teu.
Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um aperto, passa junto o reveillon.
Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado.
Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador.
Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.
1 de out. de 2012
Amor e Loucura
Entretanto, com todas as diferenças, as crianças cresciam juntas, inseparáveis, brincando, brigando... Mas houve um dia em que Amor não estava muito bem e acabou cedendo às provocações de Loucura, com a qual teve uma discussão muito feia. Ela não deixava nada barato; estava furiosa como nunca com Amor e começou a agredi-lo, não só verbalmente como de costume. Ela estava tão descontrolada que o agrediu fisicamente, e antes que pudesse perceber, arrancou os olhos de Amor. O Amor, sem saber o que fazer, foi chorando contar à sua mãe, a deusa Afrodite, o que havia acontecido.
Inconsolada, Afrodite foi até Zeus e implorou-lhe que ajudasse seu filho e castigasse Loucura. Zeus então, ordenou que chamassem a garota para uma conversa séria. Ao ser interrogada, a menina respondeu como se estivesse com a razão: que Amor havia lhe aborrecido e que fora merecido tudo o que tinha acontecido com ele. Embora soubesse que não fora justa com o seu amigo, ela, que nunca soube se desculpar, concluiu dizendo que a culpa havia sido de Amor e que não estava nem um pouco arrependida.
Zeus, perplexo com a aparente frieza daquela criança, disse que nada poderia fazer para devolver a visão a Amor, mas ordenou que Loucura fosse condenada a guiá-lo por toda a eternidade, estando sempre junto ao Amor, em cada passo que ele desse. E até hoje eles caminham juntos: onde quer que o Amor esteja, com ele estará Loucura, quase que fundidos numa só essência. Tão unidos que, por vezes, não se consegue definir onde termina o Amor e onde começa a Loucura.
É também por isso que se usa dizer que o amor é cego. Mas, isso não é verdade... ele tem os olhos da Loucura!
15 de jul. de 2012
Um pouco de Ginsberg, um pouco de Howl
Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy!
Holy! Holy! Holy! Holy! Holy! Holy!
The world is holy! The soul is holy! The skin is holy!
The nose is holy! The tongue and cock and hand
and asshole holy!
Everything is holy! everybody's holy! everywhere is
holy! everyday is in eternity! Everyman's an
angel!
The bum's as holy as the seraphim! the madman is
holy as you my soul are holy!
The typewriter is holy the poem is holy the voice is
holy the hearers are holy the ecstasy is holy!
Holy Peter holy Allen holy Solomon holy Lucien holy
Kerouac holy Huncke holy Burroughs holy Cas-
sady holy the unknown buggered and suffering
beggars holy the hideous human angels!
Holy my mother in the insane asylum! Holy the cocks
of the grandfathers of Kansas!
Holy the groaning saxophone! Holy the bop
apocalypse! Holy the jazzbands marijuana
hipsters peace & junk & drums!
Holy the solitudes of skyscrapers and pavements! Holy
the cafeterias filled with the millions! Holy the
mysterious rivers of tears under the streets!
Holy the lone juggernaut! Holy the vast lamb of the
middle class! Holy the crazy shepherds of rebell-
ion! Who digs Los Angeles IS Los Angeles!
Holy New York Holy San Francisco Holy Peoria &
Seattle Holy Paris Holy Tangiers Holy Moscow
Holy Istanbul!
Holy time in eternity holy eternity in time holy the
clocks in space holy the fourth dimension holy
the fifth International holy the Angel in Moloch!
Holy the sea holy the desert holy the railroad holy the
locomotive holy the visions holy the hallucina-
tions holy the miracles holy the eyeball holy the
abyss!
Holy forgiveness! mercy! charity! faith! Holy! Ours!
bodies! suffering! magnanimity!
Holy the supernatural extra brilliant intelligent
kindness of the soul!
20 de mai. de 2012
Almas perfumadas
Tem gente que tem cheiro de colo de Deus. De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul. Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis. Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo. Sonhando a maior tolice do mundo com o gozo de quem não liga pra isso. Ao lado delas, pode ser Abril, mas parece manhã de Natal do tempo em que a gente acordava e encontrava o presente do Papai Noel.
Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos acender na Terra. Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, a gente tem certeza. Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria. Recebendo um buquê de carinhos. Abraçando um filhote de urso panda. Tocando com os olhos os olhos da paz. Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave de sua presença soprando nosso coração.
Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa. Do brinquedo que a gente não largava. Do acalanto que o silêncio canta. De passeio no jardim. Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade é um perfume que vem de dentro e que a atração que realmente nos move não passa só pelo corpo. Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar. Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos Deus está conosco, juntinho ao nosso lado. E a gente ri grande que nem menino arteiro.
Tem gente como você que nem percebe como tem a alma Perfumada! E que esse perfume é dom de Deus.
Carlos Drummond Andrade